terça-feira, 18 de outubro de 2016

Folhas Secas

Eu estava dando uma aula de Matemática e todos os alunos acompanhavam atentamente. Todos?
Quase: Carolina o apontador na ponta da régua, Lucas recolhia as borrachas dos vizinhos e construía um prédio, Renata conferia as canetas e os lápis do seu estojo vermelhíssimo e Hélder olhava para o pátio.
O pátio? O que acontecia no pátio?
Após o recreio, dona Natália varria calmamente as folhas secas e amontoava e guardava tudo dentro de um enorme saco plástico azul. Terminando o varre-varre, dona Natália amarrou a boca do saco plástico e estacionou aquele bafuá de folhas secas perto do portão. Hélder observava atentamente. E eu observava a observação de Hélder - sem descuidar da minha aula de Matemática. De repente, Hélder foi arregalando os olhos e franzindo a testa,
Qual o motivo do espanto?
Hélder percebeu alguma coisa no meio das folhas movendo-se desesperadamente, com aflição, sufoco, falta de ar. Hélder buscava interpretações para a cena, analisava possibilidades, mas o perfil do passarinho já se delineava na transparência azul do plástico. Um pássaro novo tinha caído do ninho e, confundindo-se com as folhas secas, foi varrido e agora lutava pela liberdade.
-Ele tá preso!
O grito de Hélder interrompeu o final da multiplicação de 15 por 127. Todos os alunos olhavam para o pátio. E todos nós concordamos, sem palavras: o bico do passarinho tentava romper aquela estranha pele azul. Hélder saiu da sala e nós fomos atrás. E antes que eu pudesse pronunciar a primeira sílaba da palavra "calma", o saco plástico simplesmente explodiu, as folhas voaram e as crianças pularam de alegria.
Alguns alunos dizem que havia dois passarinhos presos. Outros viram três passarinhos voando felizes e agradecidos. Lucas diz que era um beija-flor. Renata insiste que era uma cigarra. Eu, sinceramente, só vi folhas secas voando.
E, para concluir esta inesquecível aula de Matemática, pegamos vassoura, pás e sacos plásticos e fomos varrer novamente o pátio.


Conto de Francisco Marques (Chico das Bonecas). Revista Nova Escola. Novembro de 1990.


Como utilizar o texto em sala de aula:

  • Trabalhe  o conto no pátio, que é o centro de convivência da escola. Ou use uma sala que dê para ele.
  • Antes de levar a sala para lá, crie uma atmosfera diferente. Arranje folhas secas e cubra o chão com elas. Se dispuser de aparelho de som, escolha algumas músicas para recepcionar o grupo que chega ao pátio para a atividade. A música deve continuar até todos se acomodarem em seus lugares.
  • Outros materiais que você deve providenciar antes do dia da aula:
  • Dois sacos plásticos azuis cheios de folhas secas.
  • Uma cesta contendo cópias de dois trechos do conto de Chico quantos forem seus alunos. O primeiro trecho deve ir do do início até "Qual o motivo do espanto?"; o segundo, de "Hélder percebeu" até o final. Imprima os textos dentro de retângulos lembrando janelas.
  • Uma caixa de papelão encapada contendo papéis coloridos recortados na forma de folhas.
  • Cartolina ou papel pardo para a conclusão do trabalho.
  • Elementos a serem trazidos de casa pela turma: papéis de vários tipos, cores e tamanhos; cola, tesoura, algodão; tampinhas de garrafa, macarrão, botões e, claro, uma boa quantidade de folhas secas!
  • Comece pedindo aos alunos que descrevam, em uma só palavra, aquilo que sentem ao olhar pela janela da sala de aula. Essa palavra deve ser escrita numa das "folhas" colocadas por você na caixa.
  • Divida a classe em grupos de cinco e  ou seis membros. Entregue a cada participante uma cópia do primeiro trecho do conto. Depois de ler e reler o texto, cada equipe escreve, em conjunto, um final para a narrativa.
  • Findo o texto, diga aos grupos que elaborem uma dramatização do conto. Enquanto eles preparam sua performance, você pode pôr uma música de fundo.
  • Discuta o trabalho feito pela classe, sem esquecer a diversidade de finais, com todos sentados em círculo. Feito isso, distribua a segunda metade do conto, avisando que ninguém deve lê-la até que todos tenham recebido sua cópia. Enquanto isso, uma nova música pode sublinhar o momento de curiosidade: como termina realmente o conto? Com o som em volume baixo, leia o conto inteiro, enquanto eles acompanham nas cópias o que você diz. Terminada a leitura, deixe a turma fazer seus questionamentos, suas comparações e conclusões. Ajude-a fazendo perguntas como: "- Como foi o relacionamento entre a turma e o professor de Matemática naquela situação?" "-Será que aquela aula foi mesmo 'perdida'? Por quê?" "-Será que abrimos nossos olhos - verdadeiras janelas interiores - para novas perspectivas e descobertas?" "Por que as folhas recolhidas no pátio por D. Natália exerciam tanto fascínio sobre Hélder?"
  • Recite para a classe o primeiro verso diz:"Cada palavra, uma folha / no lugar certo". Lance à sala questões como:"-Não serão palavras as folhas secas do conto de Chico dos Bonecos?" "-Não teria sido essa a amaneira simples e delicada que o autor encontrou para nos passar um momento de pura alegria, com o que parecia apenas folhas secas transformando-se em vida?" "-E, justamente em vida de pássaro, um símbolo incontestável de liberdade?" "-Não estaria a ideia de liberdade outra vez presente na explosão do saco plástico, fazendo surgir o pássaro em meio às folhas secas que voam?"
  • Finalize o trabalho fazendo uma colagem em que as crianças utilizarão os materiais que trouxeram de casa para expressar coletivamente em forma de desenhos, poemas ou outros meios as conclusões e os sentimentos que ficaram do texto de Francisco Marques.




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