Meu avô imaginava sempre, eu
acreditava. Vencia as horas lerdas deixando o mundo invadi-lo por
inteiro. Ele hospedava essa visita sem espanto. Saboreava o mundo com
antiga fome. O que seu olho de vidro não via, ele fantasiava. E
inventava bonito, pois eram da cor do mar os seus olhos. E todo o mar
é belo por ser grande demais. Tudo cabe dentro da sua imensidão:
viagens, sonhos, partidas, chegadas, mergulhos e afogamentos. Há que
se contar o desassossego que as águas nos provocam. Nunca soube se
meu avô conhecia o mar. Sua cidade ficava bem no meio das minas. Sei
que morava entre um mar de montanhas, um mar de paixão e um mar de
dúvidas. E devia ser sem tamanho o seu olhar de vidro. Ele parecia
conhecer até o depois dos oceanos. […]
Dizem que ele viajou para São Paulo.
Naquele tempo, São Paulo ficava quase em outro país. Foi comprar
esse olho que não via. Ele jamais acreditou que, em terra de cego,
quem tem um olho é rei.
Venceu longos dias de estrada, poeira,
lama, fantasiado de pirata, como se fosse carnaval. Tudo para
conquistar um olho. Meu avô era vaidoso, mesmo sem desejar ter
reinado.
Voltou com dois olhos, mas apreciando a
paisagem apenas com o lado direito. Pelo olho esquerdo ele só
adivinhava. Um olho era de mentira e o outro era de verdade. Mas isso
não lhe trazia problemas. Cego é aquele que não quer ver. Ele via
muito. Tudo no mundo é, em parte, uma verdade e, por outra parte,
uma mentira.
Com o olho direito do meu avô via o
sol, a luz, o futuro, o meio-dia. Com o olho esquerdo ele via a lua,
o escuro, o passado, a meia-noite. Um dia me falaram que a alma tem
dois olhos. Com um, ela olha para o tempo, com o outro, ela namora a
eternidade. Um olho é do amor e o outro do desamor. Mas eu não
conhecia a alma. Sei que se fosse boa ia morar no ceú. Se fosse má,
estaria, para sempre, no caldeirão do inferno. Aprendi isso no
catecismo.
Bartolomeu Campos de Queirós . O olho
de vidro do meu avô. São Paulo: Moderna, 2004. p. 6-8.
Sugestão de atividades
1. O avô fez uma viagem.
a) Para onde ele foi?
b) Por que ele viajou?
c) Como foi a viagem?
d) Explique a frase: “São Paulo
ficava quase em outro país”.
e) Ao longo da viagem, o menino afirma
que o avô estava “fantasiado de pirata, como se fosse carnaval”.
Explique o motivo.
2. O avô, que antes tinha apenas um
olho, retorna à cidade com dois olhos. Como eram esses olhos?
3. A diferença entre os olhos refletia
os modos de o avô ver o mundo. Explique essa afirmação.
4. Leia as frases a seguir.
I- Precisava enviar depressa o e-mail,
mas o computador estava lerdo.
II. Passos lerdos soaram nas
escadas.
III. Tocava a boiada, mas alguns
animais estavam lerdos, preguiçosos, e atrasavam a viagem.
a) O adjetivo lerdo poderia ser
substituído nas frases, com as flexões ncessárias, por duas das
palavras listadas a seguir. Identifique-as:
esperto lento interessante vagaroso educado
b) Reescreva as três frases fazendo a
substituição do adjetivo assinalado por sinônimos, isto é,
palavras de sentido equivalente.
5- Explique o sentido da seguinte
passagem do texto:
“Vencia as horas lerdas deixando o
mundo invadi-lo por inteiro.”
6. Releia a passagem completa.
“Meu avô imaginava sempre, eu
acreditava. Vencia as horas lerdas deixando o mundo invadi-lo por
inteiro. Ele hospedava essa visita sem espanto. Saboreava o mundo com
antiga fome.”
a) De que visita fala o narrador?
b) O que o avô saboreava: uma fruta?
Um doce? O mundo?
7. No texto são citados alguns
provérbios populares. Agora, analise a seguinte passagem e responda.
“Ele jamais acreditou que, em terra
de cego, quem tem um olho é rei.”
a) Destaque o provérbio popular e
explique o seu significado.
b) Por que o narrador diz que o avô
não acredita no provérbio?
8. “Tudo no mundo é, em parte, uma
verdade e, por outra parte, uma mentira.” Com esta frase, o
narrador amplia o sentido da experiência do avô.
a) Destaque do texto palavras e
expressões que mostrem as diferentes visões do avô para cada olho.
b) O que era verdade e o que era
mentira quando o avô olhava o mundo?
9. O texto é uma narrativa de
memórias.
a) Quem é o narrador?
b) O texto é narrado em 1ª ou 3ª
pessoa? Comprove, exemplificando.
c) Marque a resposta certa.
Os fatos narrados acontecem.
I. ao mesmo tempo que o narrador conta
a história.
II. antes do tempo em que o narrador
conta a história.
III. depois da narrativa; o narrador
faz uma previsão para o futuro.
d) Toda narrativa se caracteriza por
uma transformação principal. Qual é o grande acontecimento narrado
que provoca uma transformação?
e) O narrador não conta uma história
apenas. Faz também considerações e comentários acerca do que
ocorre. Explique.
10. O texto é uma Autobiografia.
Auto significa “de si mesmo”; biografia é a
narrativa da história da vida de uma pessoa.
a) O que significa autobiografia?
b) A partir da leitura, identifique as
características do gênero autobiografia.
Texto retirado do Projeto Apoema da Editora Moderna.
onde encontro o gabarito?
ResponderExcluirMuito bom
ResponderExcluirOnde encontro o gabarito?
ResponderExcluirOnde encontro o gabarito ?
ResponderExcluir