Antigamente, quando o senhor Santo
Ildefonso andava por aqui fazendo os trabalhos de Deus na Terra,
ficava temeroso de que acontecesse alguma coisa aos filhos quando
estivesse longe. Por isso, encarregou o pica-pau Ti de ficar tomando
conta deles e avisá-los do perigos.
O passarinho passou a fazer isso muito
bem. Por qualquer coisa, voava para junto dos meninos, pousava no
ombro de um deles e cantava:
- Ti-ti-ti-ti...
Eles já sabiam. O passarinho não
estava só dizendo o seu nome. Estava era avisando de algum risco.
Então, tomavam cuidado e se defendiam. Por isso, nunca tinham
problemas.
Santo Ildefonso ficou muito satisfeito.
Para recompensar o passarinho Ti, fez que ele tivesse uma plumagem
bonita. E também o ajudou para que nunca lhe faltasse comida.
Ensinou-o a bater com o bicona casca das das árvores, cavando
buraquinhos para poder pegar as lagartas e outros insetos que se
escondessem lá dentro.
Então, o passarinho passava os dias
nas árvores apanhando comida para os filhotes:
- Toque-toque-toque...
Mas, quando era preciso avisar os
filhos de Santo Ildefonso, já se sabe. O pássaro Ti ia lá, pousava
no ombro de um deles e cantava:
- Ti-ti-ti-ti...
E eles se preveniam contra os
problemas.
O pica-pau fazia seu trabalho tão bem
que o santo resolveu ser generoso e dividir os avisos de perigo com
todo mundo. Disse ao passarinho:
- Ti, você agora fica encarregado de
voar por perto das estradas e veredas, avisando aos caminhantes
quando houver algum perigo. Assim, eles podem se cuidar.
O pássaro Ti passou a fazer isso,
sempre muito bem. Pousava no ombro de quem passava e cantava:
- Ti-ti-ti-ti...
Era só o caminhante tomar cuidado e
não acontecia nada de mau.
Mas os filhos do senhor Santo Ildefonso
não gostaram nada da novidade. Não queriam dividir com ninguém os
avisos do pica-pau. Por isso, um dia, quando Ti chegou, os meninos
cuspiram nele.
O passarinho voou até a casa onde
estava Santo Ildefonso e contou:
- Senhor santo, veja só o que seus
filhos me fizeram. Maltrataram-me e cuspiram em mim. E cuspe de gente
deixa passarinho manchado. Olhe só como minhas penas ficaram todas
salpicadas de saliva.
Santo Ildefonso olhou e disse:
- Não posso fazer nada para consertar
sua plumagem. Mas vou castigar meus filhos. De hoje em diante, eles
não vão mais se livrar de nenhum perigo e vão ter muitos
problemas. E você pode cuidar só da vida de seus filhotes. Nunca
mais precisa avisar ninguém de nada.
Por isso, até hoje, o pica-pau Ti tem
as penas bonitas, mas sarapintadas. E sabe muito bem procurar comida
debaixo da casca das árvores.
Por isso, também, as pessoas correm
riscos e têm problemas. Mas, às vezes, o passarinho se lembra de
seus tempos de avisador e canta, embora nunca mais tenha pousado no
ombro de ninguém. E até hoje, pelas estradas de Chiapas, o
caminhante atento e devoto toma cuidado quando ouve o pica-pau Ti no
meio de uma viagem, pois sabe que pode ter contratempos pelo caminho.
Conto
inspirado numa lenda do povo tzeital, de Chiapas, no México,
adaptado por Ana Maria Machado.
Como utilizar o texto em sala de aula
Para as séries iniciais
Difícil, nessa fase, é prender a
atenção das crianças. Para evitar dispersões, peça que desenhem
a história enquanto você faz a leitura do texto em voz alta. Com um
detalhe: os alunos não podem tirar o lápis do papel. Divertida, a
atividade estimula a concentração e a percepção da narrativa e
possibilita melhor fluência de ideias. Experimente, depois, comparar
os desenhos. Haverá, com certeza, diferenças e semelhanças
interessantes entres as releituras. Nas aulas de Educação
Artística, ensine a turma a fazer origamis (dobradura de papel)
inspirados em elementos do conto: pássaro, árvore, índios,
meninos. Outra opção é dividir a história em oito partes e a
classe em oito grupos. Cada grupo deve desenhar um dos trechos em
cartolinas. Monte um mural com as “obras-primas” e a história
ganhará lindas ilustrações.
Para oitavo e nono anos
É sugerido que se faça uma pesquisa
sobre o povo tzeltal, de onde emergiu a lenda do pica-pau avisador.
Os tzeltals vivem até hoje em Chiapas, Estado mais pobre do México,
e sua população é composta por vários povos indígenas.
Revoltados com a misária da vida rural, eles se organizaram contra o
governo mexicano e fundaram, em 1994, o Exército Zapatista de
Libertação Nacional. Os zapatistas são guerrilheiros que aparecem
em público usando máscaras negras de lã e cujo líder, o
subcomandante Marcos, se transformou na mais famosa lenda da região.
O tema rende boas discussões nas aulas de História, Geografia e
Ética. Nas aulas de Português, a proposta é trabalhar diferentes
leituras do texto. Que tal fazê-lo num estilo de narração de jogo
de futebol, em ritmo de câmera lenta ou como se fosse um noticiário
jornalístico? Se os alunos se empolgarem com essa última categoria,
peça que simulem entrevistas com os personagens da história: o
pica-pau Ti, os caminhantes, Santo Ildefonso (600-667, espanhol) e
seus filhos ciumentos. Para arrematar a atividade, e aproveitando
mensagem que a lenda oferece, organize um debate sobre egoísmo.
Depois, solicite aos alunos um texto individual com o seguinte tema:
“Como podemos combater o egoísmo do mundo?”
Esse texto foi retirado de uma das minhas velhas revistas Nova Escola.
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